domingo, 9 de novembro de 2008

PROBLEMAS DE EVOLUÇÃO


Rogério Garcia*

Tudo no mundo evolui para formas mais perfeitas. Os conceitos, idéias e pensamentos também evoluem para entendimentos mais profundos. Então, por que o homem não pode ceder rapidamente a esse processo? É problema de evolução. Temos que ter primeiramente humildade e, depois, coragem de aceitar as transformações de nossas verdades relativas.

Todas as religiões terão que aceitar as transformações que se processam, para uma perfeição maior. Se assim não o fizerem, verão um esvaziamento progressivo nas fileiras de seus adeptos.

Façamos um retrospecto na história das religiões e veremos que tiveram que aceitar certas condições impostas pelo progresso da humanidade.

O mundo, como todo universo, é dinâmico. Desta forma as religiões haverão também de evoluir quer o homem queira ou não.

Os dogmas e preconceitos de todos os matizes, das escolas cientificas e facções religiosas, militantes em todas as partes do globo, constituem os maiores obstáculos à propagação dos salutares e proveitosos ensinamentos do CONSOLADOR.

As organizações religiosas e espiritistas, caso pretendem ser mais expansivas e menos repreensivas, necessitam apresentar um índice (intelectual, cientifico, e filosófico) sempre mais além do que é conhecido de seus adeptos. Em caso contrário, a organização estagna no “tempo” e no “espaço” e se torna um movimento anacrônico em face do progresso humano.

Preferência e adesão a certa religião ou organização religiosa, credo ou doutrina espiritualista, revela o índice de compreensão ou capacidade intelectiva do homem, mas não a intensidade do seu sentimento religioso inato.

O homem muda de credo conforme a expansividade deste sentimento e busca, incessantemente, a organização religiosa que melhor atenda a sua ansiedade espiritual. Mas, infelizmente, quase todos os crentes apenas mudam de rótulo religioso, enquanto prosseguem na mesma disposição fanática e sectarista.

O sentimento divino religioso não precisa ser disciplinado, mas apenas liberado, assim como a luz se projeta mais intensa e brilhante conforme a transparência da lâmpada. Por isso a principal função das organizações religiosas é a de catalisar o sentimento do ser humano e orientá-lo para que possa extravasar através da lâmpada viva que é o seu corpo. O sentimento religioso, inato no individuo, reativa-se em sua essência na ação exterior do culto e nas oferendas delicadas e sublimes da atividade humana religiosa.

As organizações religiosas são apenas os meios de o espírito humano expressar a sua natureza divina no mundo exterior da matéria. Elas só podem incentivar no homem o sentimento religioso que ele já tenha desenvolvido. Elas não tornam o homem mais sensível e compreensível, além do que ele já conseguiu apurar pessoalmente na sua evolução psíquica.

Sem dúvida, a principal função das religiões e instituições espiritualistas é estimular os adeptos para uma vida superior. Mas, embora tentem elevar a freqüência religiosa do homem, jamais poderão dar-lhes uma compreensão além das suas capacidades de apercebimento espiritual, pois cada seita ou doutrina religiosa tem um limite no qual cessa a estrutura de sua mensagem.

Em face do incessante progresso espiritual que se exerce de dentro para fora, no âmago do ser, alguns adeptos, cujo sentimento religioso apura-se rapidamente, dão um salto mais longo buscando, buscando outras fontes de maior amplitude espiritual, inquietos que se sentem com a estreiteza doutrinária dos seus líderes conservadores e ortodoxos.

Embora prossigam vinculados à doutrina, eles buscam ensinamentos mais amplos e de maior liberdade espiritual.

São pessoas que sacodem o jugo das proibições sectaristas, algo semelhante ao que já sofrem em doutrinas anteriores, dominados por um sentimento espiritual de natureza universalista.
* Rogério Garcia, o Seu Rogério, é expositor espirita militando na doutrina há 40 anos. Foi membro da Federação Espírita do Estado de São Paulo e atualmente reside em Barreiras - Bahia onde recentemente ajudou na fundação da Sociedade Espírita Beneficente Maria de Nazaré.

**
Síntese extraída de diversos livros doutrinários e colocada conforme nossos pensamentos. Abril de 1982

RELIGIÃO E INTOLERÂNCIA


Dalmo Duque dos Santos*

“Por definição, toda religião – toda fé – é intolerante, pois proclama uma verdade que não pode conviver pacificamente com outras que a negam.” – Mario Vargas Llosa

Por definição, está coberto de razão o grande escritor peruano, quando coloca o problema da intolerância religiosa como reflexo da enorme diversidade cultural que caracterizam os povos e espelho das mentalidades que também se diferenciam dentro dos próprios grupos sociais. Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo (11/07/2004), sobre o caráter laico do Estado e da União Européia, ele fala com conhecimento de causa e faz a afirmação acima citada baseando-se na experiência histórica de religiões e filosofias e que foram desviadas de suas bases originais para satisfazer interesses bem distanciados daqueles delineados por seus criadores.

Não importa a relatividade desses conceitos – se religião ou religiosidade, fé ou crença devoção ou adoração – a repercussão desse elemento cultural na mente humana dificilmente poderá ser dissociado do fanatismo, dos impulsos passionais e do radicalismo emocional. Não é à toa que a sabedoria popular ensina que não se deve discutir religião e futebol, se quisermos preservar relações amistosas. Durante séculos fomos educados para a intolerância e para o radicalismo. Preconceitos religiosos foram pacientemente enraizados em nosso psiquismo e no comportamento, como peças estratégicas para preservação de grupos e sistemas ideológicos. Mesmo as grandes lições de fraternidade e tolerância caíram no esquecimento e no universo lendário. O próprio Mahatma Gandhi, figura contemporânea da Era Atômica, parecia em sua época e ainda hoje ser algo inacreditável, saído das páginas de algum livro de mitologia.

Mas somos, como categoria social humana, um complexo multicolorido de ideologias e crenças, seja em forma de partidos políticos, de cultos religiosos, agremiações filosóficas ou estilos de vida que consideramos atraentes e afins com a nossa maneira de ver o mundo, de agir, de pensar e de sentir as coisas. Nesses agrupamentos procuramos respostas, conforto espiritual, aceitação, respeito, reconhecimento, todas as soluções possíveis para resolver os nossos conflitos interiores, nossas carências internas e externas, reparos de danos e traumas, enfim, a busca da felicidade, de um Norte, de uma plenitude, da auto-realização. É por esse motivo, inclusive, que constituímos famílias - não importando qual o modelo - e mantemos viva a imagem do “ninho” ou da “tribo” como símbolos da nossa identidade pessoal e social. Nossos ninhos e tribos continuam sendo o nosso principal endereço existencial, a referência na qual mantemos o pé de apoio para dar todos os passos importantes e decisivos nas experiências vivenciais. Até mesmo as organizações criminosas ou os agrupamentos de hábitos considerados fúteis, quando ameaçados em seus interesses, reagem com suas ideologias, doutrinas, dogmas, tradições, raízes, ídolos, eventos históricos, como armas para justificar e legitimar suas necessidades e suas próprias existências. Vejamos, por exemplo, os recentes acontecimentos de 11 de setembro , onde o terror teve a religião como principal fonte de motivação ideológica. “Mas é uma religião primitiva e atrasada!”, diriam os ateus ou então aqueles outros que julgam que sua religião é superior às demais. Como se o problema fosse a religião em si, quando na verdade é o comportamento sectário embutido historicamente nas religiões e confrarias que alimentam esses flagelos de mentalidade. A intenção dos atentados terrorista foi de ordem política, mas os agentes executores o fizeram por uma causa religiosa, ou seja , a crença de que seriam recompensados num outro mundo por terem agido com renúncia e coragem. Isso é histórico: é só lembrar as monarquias teocráticas de todos os tempos, os tribunais da Inquisição, as cruzadas, o calvinismo europeu, os regimes totalitários nos anos 30 e durante a Guerra Fria.

O grau de intolerância demonstrado por aqueles que hoje se suicidam pela sua crença certamente não é o mesmo daqueles que discriminam, perseguem e expulsam seus companheiros de ideologia, quando estes começam a destoar dos seus pontos de vista, mas as causas são idênticas: a incapacidade de compreender e conviver com a diversidade e de aceitar o princípio igualdade humana como lei universal. Nas situações de conflito, quando o egoísmo e o orgulho predominam como fonte de poder, a igualdade e a humildade passam a ser vistos como valores banais, de pessoas fracas e poucos inteligentes. Quando se trata de conflitos de crença e ideologia, esse fator humano de arrogância e prepotência assume proporções mais violentas, mesmo quando disfarçadas pela polidez institucional, pelas aparências jurídicas, pela hipocrisia das relações artificiais. Temos visto isso acontecer em todas o setores sociais, mas nas agremiações religiosas elas acontecem com mais freqüência e são mais camufladas com um forte teor de hipocrisia. Nesses ambientes de orações, meditações, vibrações, peregrinações, curas, oferendas, cantorias e celebrações, a camuflagem torna-se mais sutil e mais eficiente no jogo de aparências. Aí a mente é capaz de realizar verdadeiros prodígios de dissimulação: sorrir e odiar; orar com a voz mansa e emotiva e, ao mesmo tempo, conspirar criminosamente para eliminar o adversário. Pode parecer chocante, mas é a mesma ginástica ideológica que faz o matador de aluguel rezar de joelhos para pedir perdão antes de cometer o ato insano.

Essa perversão da fé e da religiosidade só tem uma explicação: orgulho e egoísmo. Ninguém consegue abrir mão de posições e posturas, de pontos de vista ou de opiniões quando estão sob o efeito das aparências, da imagem artificial que possuem das coisas e de si mesmos. É uma doença existencial com fortes elementos de ordem emocional, como uma ferida infectada, cuja característica marcante é o hábito sistemático de fugir da realidade e de mentir para si próprio. Quando fingimos ou dissimulamos idéias e sentimentos, com a intenção de ocupar espaço ideológico ingressamos imediatamente num jogo perigoso, de difícil sustentação. Daí ser muito comum e constante o uso de expedientes ardilosos, geralmente incompatíveis com a ética religiosa ou filosófica dos grupos que freqüentamos.

Não é coincidência também que a desilusão pessoal e a decepção com as contradições humanas são a maior causa da deserção dos adeptos desses grupos. Desertamos na medida que caem os mitos, as aparências, as imagens distorcidas: mitos que nós mesmos criamos, aparências que deixamos nos iludir, imagens que construímos com distorções, segundo os nossos próprios interesses inconscientes e limites psicológicos. Quando isso acontece, quase sempre colocamos a culpa nos outros, nos líderes, nas doutrinas, nos acontecimentos, sem jamais avaliar que o nosso ponto de vista é que sempre foi o verdadeiro responsável pela condução dos nossos sentimentos e atitudes. Recentemente tivemos a oportunidade de ouvir as queixas de um militante bem desiludido com os espíritas, com os centros espíritas e com o Espiritismo. Bastante abatido com a derrota em uma disputa na qual, segundo ele, entrou de corpo e alma, em nenhum momento reconheceu o fato de ter se deixado iludir, mas atacou com muita propriedade todas as imperfeições das pessoas e das instituições envolvidas na sua triste história. Nos lembramos dos textos de “Obras Póstumas” e da “Revista Espírita”, mas não tivemos coragem de recomendá-los naquele momento de mágoas e decepções. Um pouco desolados com essa história de poder e glória em uma instituição espírita, fomos nós mesmos nos consolar nas memórias de Kardec, repletas de experiências sobre os problemas da convivência humana. Ali podemos observar como é possível empreender esforços para superar tendências históricas, hábitos culturais e inclinações pessoais que perpetuam o fanatismo e a intolerância. A experiência de Kardec prova que é possível ir além das definições, romper preconceitos seculares e avançar cada vez mais no terreno da liberdade de consciência. Definições não são apenas artifícios de linguagem, mas ferramentas precisas para identificar coisas, circunstâncias e paradigmas predominantes.

Mas é preciso ir além, quebrar paradigmas, ousar, como fizeram os demolidores de preconceitos em todas as épocas. Eram, é claro, pessoas de moral acima do normal e de comportamento diferenciado da média, mas todos tinham algo em comum: eram seres humanos e jamais se deixaram escravizar por idéias e crenças. Muito pelo contrário, atacaram suas próprias culturas nos pontos que consideravam frágeis e ilusórios. Budha atacou o desejo e a sensualidade que contaminava a espiritualidade em seu tempo; Jesus posicionou-se estratégica e heroicamente contra a intolerância, o fanatismo e o comércio das coisas sagradas; Lao-tsé e Confúcio empreenderam suas inteligências contra a corrupção e o comodismo; Comênius e Pestalozzi viram na infância um terreno fértil para plantar as sementes da transformação do tempo futuro e não somente no cultivo das tradições do passado. Allan Kardec demoliu o materialismo e o sobrenatural, reconstruiu a fé e resgatou a religiosidade sem se deixar contaminar pela ingenuidade mística ou se impressionar com os “mistérios” ditos “ocultos”. Martim Luther King, seguindo os passos de Gandhi, desmontou a farsa que encobria em seu país o mito da liberdade e os direitos civis.

Seria de uma grande utilidade se nós, os espíritas, pudéssemos refletir sobre esse assunto e transpormos suas conclusões para os ambientes que freqüentamos e a ideologia que cultivamos como fonte de realização. Podemos avançar as definições e romper paradigmas. Como o Espiritismo não é religião - nesse sentido histórico sectário –, muito menos futebol, podemos discutir tranqüilamente essas delicadas questões ideológicas:
  • Como temos cultivado o conceito de verdade no Espiritismo?
  • Como temos lidado com o pensamento divergente?
  • Temos agido dentro da ética espírita quando atuamos politicamente em suas instituições?
  • Afinal, nossa fé tem conseguido encarar a razão face a face?

*Dalmo Duque dos Santos é mestre em Comunicação, bacharel em História e Pedagogia.